Naquela tarde andava meio cabisbaixo. Assim murcho mas sem ser do frio.
Era um sexta feira e as aulas estavam a chegar ao fim de semana, a folia começava a instalar-se. Como de costume, todas as semanas, às sextas feiras antes do jantar e depois das aulas apanhava o 38 para fazer o percurso todo até ao Estádio Universitario.
Éramos sempre os mesmo 3 que apanhávamos aquele autocarro. Éramos amigos, colegas de escola, companheiros de equipa. Jogávamos no S. Miguel, jogávamos rugby, aprendíamos a crescer juntos ainda. Esta sexta era igual a muitas outras passadas, mas já há uns dias que andava cabisbaixo.
Não fazia um mês e tinha morrido a minha Avó. Daquelas avós que todos temos e que são só nossas apesar de sermos muitos netos e todos queridos.
A minha avó tinha sido minha, muito minha, era com ela que tinha vivido até aos 11 anos, era com ela que tinha aprendido que o Pai Natal não existe, que Jesus nasceu numa manjedoura e morreu na cruz. Que estar sentado à mesa com os cotovelos em cima é feio e não se faz, que se agradece sempre. Que nunca se diz que não. Era a minha avó, aquela que me ensinava inglês depois de vir das aulas, aquela que me coseu o cobertor para o Menino Jesus não ter frio no presépio à noite quando se apagava a lamparina de azeite. Era a minha avó que tinha a gaveta das nossas bolachas e chocolates, só dela, só nossos.
Tinha morrido, e eu andava cabisbaixo. A primavera estava a chegar, era 8 de Abril de 1988, era sexta feira e estava no autocarro a ir para o treino. Tínhamos jogo no sábado, para a taça de Portugal, estávamos bem lançados para a ganhar, tínhamos que a ganhar. Pelo S. Miguel, pelo club, pelos amigos e por nós.
O treino correu bem, e pegamos nos sacos, directos dos balneários. Não tomávamos duche naquela altura, chegávamos a casa todos sujos, sujávamos o autocarro, divirtiamo-nos a atirar bolas de lama aos transeuntes, éramos miúdos ainda.
O Jantar estava á minha espera. Depois do banho, sentei-me à mesa em casa. pensava na minha avó andava cabisbaixo, tinha morrido à pouco menos de 1 mês. Acabei de jantar e resolvi ir ver televisão, eram umas 11.00 da noite, a minha querida Mãe e o meu Padrasto, foram-se deitar. fui para o quarto ler.
Era sexta feira 8 de Abril, sozinho no quarto, resolvi telefonar aos meus amigos. Vamos aqui, vamos ali, vamos até ao Golo beber umas imperiais antes de ir para o Bananas.
O Bananas, aquele monstro, aquela catedral onde todos queriam entrar, passar as portas, brilhar entre os amigos, uns com os cartões dos pais, outros pela mão dos irmãos, dos tios, dos primos.
Entrar no Bananas era um dos pontos altos da noite. Não pagar a entrada era o clímax!!
Podíamos orgulhosamente dizer, "entrei...e não paguei!!". Poucos conseguiam o feito. E quando o faziam, não tinham adquirido nenhum estatuto eterno. Para a semana o desafio era o mesmo...
Saiamos dali do Golo, aquela bela cervejaria cheia de cascas de tremoços no chão a cheirar a cerveja azeda, com as mesas peganhentas, as cadeiras amachucadas. Onde as imperiais a 50 escudos faziam os preliminares para o Bananas. O desafio era gastar o suficiente no Golo, para entrarmos no Bananas, se gastássemos demais, entrar no Bananas sem pagar ainda trazia um gozo maior!! Gastar no Bananas era fundamental, ninguém podia ser apanhado sem copo na mão. Passávamos as noites a dançar, a pista era o nosso refugio, ali não podia haver copos. Ali estávamos salvos.
Naquela noite estava cabisbaixo, em vez das imperiais, deram-me uns bagaços, acho que eram. O meu amigo Titão quis animar-me. Bora lá vamos pó Bananas. E fomos.
Na porta sempre a mesma multidão sempre os mesmos. Respirei fundo e disse, Titão, vamos até ao Ad Lib, era 1 da manhã mais coisa menos coisa... Vamos lá, quero ir conhecer o meu Pai!
O Titão olhou, conhecia a história que não o conhecia. Viu que estava a falar a sério, dentro do sério que podia estar com dois bagaços. E fomos. o 27 passava perto, como passava em todo o lado em Lisboa.
Chegámos os dois, não tínhamos 18, não podíamos entrar, não éramos clientes, mas tinhas uma grande cunha! o meu Pai tinha sido dono, era agora o gerente, não nos iam impedir de entrar.
Mas impediram. e explicaram, não temos idade nem ninguém deu o recado que íamos lá. fiquei triste, não era ainda desta vez. Mas logo a seguir o porteiro explicou. " O seu Pai, também ainda não está cá, está no 37 no restaurante dele, se lá quiser ir chamo um táxi, mas não lhe diga que fui eu que disse...sabe como ele é..." ; "Não sei..." respondi, agradeci.
Coincidencia!! Coincidencia!!, Não há coincidencias como diz a minha querida Maggie. O 37 era da tia do Titão também. Era fácil lá chegar. Somos miúdos, fomos a pé do Marquês à Lapa, naquela altura e aquelas horas era fácil.
As pernas começaram a tremer, não pelo treino de 3 horas de rugby, não pelo andar. Mas à medida que andávamos para a o Restaurante, os nervos começavam a apertar...
... e o que vai acontecer??
...e se diz que não sabe quem sou?
...e se diz que não quer saber, que não tem nada a haver com isso?....
Mas, e se diz olá? e chora e me abraça e fica contente? e me chama filho?.
Já o tinha visto há um tempo atrás no enterro de um parente, na altura a minha Mãe virou-se e disse, aquele ali alto com a sra. velhinha ao lado é o seu Pai e a sua Avó. ( a outra minha avó.)
Desde esse dia que lhe quis apertar a mão, dar-lhe um beijo. Ia ser hoje, ia ser agora!! ou talvez não...
Chegamos ao restaurante, Rua S. Caetano 37, a abarrotar, cheio e maior fosse mais cheio estaria. Éramos miúdos, era fácil passar pela multidão que se apinhava no balcão à espera de mesa para comer o famoso Bife na pedra.
Lá estava ele, de cigarro na mão e copo no balcão.
Cheguei perto, toquei-lhe no ombro, voltou-se e olhou-me.
Olhamos os dois, e um segundo depois que pareceu uma vida inteira disse-lhe a forçar para que a voz não tremesse.
"Olá!, Não sabe quem eu sou, mas sou seu filho!...."
Esperei, tremi, suei,esperei, e mal ter acabado de falar respondeu.
"Finalmente! Até que enfim!!, desculpa!!"
quinta-feira, dezembro 16, 2010
terça-feira, dezembro 07, 2010
Lições de Vida
Foi já há uns quantos anos, não sei mesmo quantos mas há alguns tantos ou mais do que aqueles que me lembro.
Foi antes do almoço, uns minutos antes, foi no Inverno, estava um Sol radiante, um dia daqueles carregado de frio com um azul delirante.
Foi no jardim em frente da casa, com uma vista deslumbrante para a planície, apontada a sul, sem ter fim. Era Inverno já disse, o campo estava verde, carregado de tons de verde escuro, verde claro e verde verde.
No jardim, em frente à casa virada ao Sol, estava um lago, que ainda lá está. Um lago redondo, talvez seja mais um tanque, ou uma fonte do que um lago. Lá dentro uns peixes daqueles pintalgados, bem grandes, vim a saber, eram carpas koi. O Lago, ou tanque ou fonte é quadrado com os cantos cortados, em cada canto uma roseira, tímida a crescer, ou recolhida pelo frio. Junto de cada uma delas, uma cana a segurar-lhes e a dar amparo.
Estava frio era antes do almoço. resolvi dar um salto do sofá e saltar para o jardim espreitar o lago.
No meio do frio vi os peixes dentro de água, eram grandes e eu um miúdo ainda, a aprender a crescer com outros amigos, novos também, mas daqueles que ainda amigos são. A casa era do pai deles. Tinham tudo , perderam tudo recuperaram tudo, e aquela casa teve a mesma história, completamente desfeita pelas ondas revolucionárias, foi refeita pelas ondas da persistencia e do trabalho do pai.
A casa estava ainda a recuperar do temporal pós Abrilista, tudo nela respirava a orgulho, cada pedra do jardim, cada roseira no canteiro, cada peixe, tudo. mal entravamos na Quinta, éramos envolvido por uma sensação de um honroso renascimento, de uma luta ganha.
Cheguei junto ao lago e quis brincar com os peixes, atirei pedrinhas, arranjei um pão duro na cozinha e despejei migalhas, ali estive pouco mais de 20 minutos à volta dos peixes, que subiam, desciam, iam e voltavam curiosos a ver o que lhes deitava na água. Por fim resolvi pegar numa cana das roseiras, espetei um bocado maior de pão e mergulhei a cana na água para ir brincando com eles.
De repente, ali da soleira da sala da casa que dá para o jardim virado ao sol onde estava o lago, chamaram-me para a mesa. Todos estavam à minha espera, entre 20 pessoas, adultas e mais crianças, eu, um convidado daquela casa, daquela família estava a fazer esperar toda a gente...
Tremi, tentei espetar a cana uma vez, duas e três, e nada, caiu para o lado. À quarta vez espetei com mais força, e corri para a mesa, olhei para trás e vi a cana a cair no chão, encolhi os ombro, pensei "que se lixe é só uma cana...".
Entrei na casa de jantar com todos à minha espera, era cozido, estava frio lá fora e o cozido já começava a arrefecer. Pedi desculpa à dona da casa, à mãe dos meus amigos que me tinham convidado pela segunda vez. Não houve problema. Até que o pai, me disse.
"Só te sentas à mesa depois de ires lá fora por a cana no sitio. Estive a ver-te brincar e viste que a cana caiu e não voltaste para trás. Agora vais lá por a cana no sitio e só voltas quando ela estiver posta como deve ser.
Primeiro não tinhas nada que tirar a cana do sitio. Se estava ali, foi porque alguém a pôs e teve trabalho a pô-la, não é assim que se trata o trabalho dos outros. Tens que ter respeito".
Voltei a por a cana no sitio. Nunca mais me esqueci. Tinha 12 Anos, e aprendi assim a respeitar o trabalhos das outras pessoas.
José Manuel de Mello, foi quem me deu a lição. Bem Haja
Foi antes do almoço, uns minutos antes, foi no Inverno, estava um Sol radiante, um dia daqueles carregado de frio com um azul delirante.
Foi no jardim em frente da casa, com uma vista deslumbrante para a planície, apontada a sul, sem ter fim. Era Inverno já disse, o campo estava verde, carregado de tons de verde escuro, verde claro e verde verde.
No jardim, em frente à casa virada ao Sol, estava um lago, que ainda lá está. Um lago redondo, talvez seja mais um tanque, ou uma fonte do que um lago. Lá dentro uns peixes daqueles pintalgados, bem grandes, vim a saber, eram carpas koi. O Lago, ou tanque ou fonte é quadrado com os cantos cortados, em cada canto uma roseira, tímida a crescer, ou recolhida pelo frio. Junto de cada uma delas, uma cana a segurar-lhes e a dar amparo.
Estava frio era antes do almoço. resolvi dar um salto do sofá e saltar para o jardim espreitar o lago.
No meio do frio vi os peixes dentro de água, eram grandes e eu um miúdo ainda, a aprender a crescer com outros amigos, novos também, mas daqueles que ainda amigos são. A casa era do pai deles. Tinham tudo , perderam tudo recuperaram tudo, e aquela casa teve a mesma história, completamente desfeita pelas ondas revolucionárias, foi refeita pelas ondas da persistencia e do trabalho do pai.
A casa estava ainda a recuperar do temporal pós Abrilista, tudo nela respirava a orgulho, cada pedra do jardim, cada roseira no canteiro, cada peixe, tudo. mal entravamos na Quinta, éramos envolvido por uma sensação de um honroso renascimento, de uma luta ganha.
Cheguei junto ao lago e quis brincar com os peixes, atirei pedrinhas, arranjei um pão duro na cozinha e despejei migalhas, ali estive pouco mais de 20 minutos à volta dos peixes, que subiam, desciam, iam e voltavam curiosos a ver o que lhes deitava na água. Por fim resolvi pegar numa cana das roseiras, espetei um bocado maior de pão e mergulhei a cana na água para ir brincando com eles.
De repente, ali da soleira da sala da casa que dá para o jardim virado ao sol onde estava o lago, chamaram-me para a mesa. Todos estavam à minha espera, entre 20 pessoas, adultas e mais crianças, eu, um convidado daquela casa, daquela família estava a fazer esperar toda a gente...
Tremi, tentei espetar a cana uma vez, duas e três, e nada, caiu para o lado. À quarta vez espetei com mais força, e corri para a mesa, olhei para trás e vi a cana a cair no chão, encolhi os ombro, pensei "que se lixe é só uma cana...".
Entrei na casa de jantar com todos à minha espera, era cozido, estava frio lá fora e o cozido já começava a arrefecer. Pedi desculpa à dona da casa, à mãe dos meus amigos que me tinham convidado pela segunda vez. Não houve problema. Até que o pai, me disse.
"Só te sentas à mesa depois de ires lá fora por a cana no sitio. Estive a ver-te brincar e viste que a cana caiu e não voltaste para trás. Agora vais lá por a cana no sitio e só voltas quando ela estiver posta como deve ser.
Primeiro não tinhas nada que tirar a cana do sitio. Se estava ali, foi porque alguém a pôs e teve trabalho a pô-la, não é assim que se trata o trabalho dos outros. Tens que ter respeito".
Voltei a por a cana no sitio. Nunca mais me esqueci. Tinha 12 Anos, e aprendi assim a respeitar o trabalhos das outras pessoas.
José Manuel de Mello, foi quem me deu a lição. Bem Haja
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