quarta-feira, setembro 29, 2010

Uma Pedra Furada no sapato

Cheguei ontem já o sol se escondia por detrás do S. Miguel. A primeira coisa a fazer, claro está foi, ir à fonte buer aquela água que só aqui é que há. Depois inspirar fundo e sentir todos os cheiros que me são queridos. Passou quase um ano sem cá ter vindo e já estava a entrar em parafuso.
A casa impecável como sempre deu-me as boas vindas com um ranger das madeiras e o ladrar do Bau Dai.
Arrumei a tralha toda porque não tarde chega a Dáma e desarrumações não é com ela. Se me visse agora... de pijama na casa de jantar a tomar o pequeno almoço vindo directo da cama, também não ia gostar. Mas estou sozinho e ninguém vai saber.
Lá fora o dia apareceu frio, a mostrar que o outono já aí está, e vai ser preciso um agasalho mais do que aquilo que estava à espera. Já abri as janelas para entrar a luz, já vi o melro a jogar ás escondidas no buxo. O galo já cantou as galinhas já andam cá fora. Na Mata, que está verde e imaculada dos fogos que à volta arderam os carvalhos ainda não acastanharam os castanheiros carregados de ouriços prontos a serem abertos daqui a mais algum tempo. O plátano e o carvalho do Canadá ainda têm o verde do verão mas já se nota nas pontas algumas folhas menos verdes.
As ramadas à volta da casa, já sem os cachos de uvas estão a dourar ao sol, umas mais que outras, mas ainda todas cheias de folhas.
Hoje vou espreitar os figos, dar um salto à poça para ver a água, sentar-me na pedrafurada para descobrir um esquilo e quiçá subir ao pico.
Tenho que encontrar os peixes as carpas que o meu amigo Barão de Navarra, me ofereceu à um ano atrás.
O lago está limpo e cheio, o jardim ajardinado e o pátio arrumado. Tudo num sossego e descanso daqueles que me fazem preguiçoso, haaa mas sabe tão bem!!
Dentro de casa nada mudou, tudo no seu lugar, tudo impecável como à tantos anos tem estado. A luz eléctrica e a sua instalação é nova, novinha mesmo e a diferença para melhor nota-se.

Não me posso esquecer de ir provar o vinho. Que como me dizem todos os anos... "Tá buom menino!" , é um sacrifício que tem de ser feito. Vinho tinto verde, de vinhas velhas e outras menos novas, feito como se fazia à cem anos atrás, pisado a pé, ralado no ralador manual, fermentado ao ar e filtrado na bica. Não envelhece em toneis, não estagia em barricas de carvalho francês, não é fermentado com controlo de temperatura, não tem os aromas a blá blá, nem é bom para acompanhar isto ou aquilo.
Não aparece nas grandes garrafeiras nem à mesa de ministros e generais. Ninguém fala nele nas provas e feiras de vinho. Não é preciso. Um néctar destes, só pode mesmo ser servido para quem gosta.
Mas é nosso, vem da nossa terra das nossas vinhas da nossa adega.

è aqui que me sinto em casa, é este o meu bocado do mundo. E embora não seja mesmo meu, é por aqui que me reencontro e recarrego para voltar para aquela vida sem nexo.

1 comentário:

Nuno Pinheiro de Melo disse...

Muito bem escrito!!! eu vi,eu li, eu cheirei,eu senti com emoção e com o coração apertado de facto ser uma pedrafurada no sapato, por muita pena que tenha de nao ter eu o "tempo" de poder estar ai, bem haja primo, obrigado pelo testemunho.