terça-feira, abril 12, 2005

Contos

São sempre processos dolorosos, aqueles em que temos que olhar de frente para o espelho, enfrentar os nossos medos e defeitos, e começarmos a tarefa de nos desconstruir. Para que um dia possamos ser felizes e partilhar esta alegria de estar na vida com outros que querem partilhar a sua connosco”
Este é um conto como outro qualquer. Com principio, meio, e fim. Só é especial e merece ser contado, porque é a história de um processo e de um encontro na vida, de alguém que em certo momento não acreditou que isso seria possivel algum dia acontecer.
Siul partira há muito montanha acima. O seu percurso sinuoso de encontro ao cume do Monte adiV, a maior cadeia rochosa que alguma vez existira, foi mais sinuoso que directo. Cheio de peripécias e de desgostos. De lágrimas e de sorrisos. De mortes e de nascimentos.
Começou pequeno. Mal nasceu iniciou-se a sua jornada. De inicio tudo parecia fácil. Caminhava erguido apesar da sua juventude. E nada lhe parecia fazer acreditar que tudo poderia mudar. Mas foi mudando.
Assim como o tempo muda. Também no Monte adiV as coisas alteram-se ao sabor dos elementos e podem tornar-se bastante ameaçadoras, se não conseguirmos encontrar os abrigos e defesas para as enfrentar.
Siul, enquanto ía crescendo, foi ajudado por seus pais e amigos a trepar pelas encostas, ora agrestes ora suaves, deste Monte gigantesco. Pensava que ía subindo mas era apenas ilusão. Na realidade mantinha-se na mesma cota de nível, e de cada vez que olhava para o alto, mais alto ele lhe parecia, e mais intransponível seria tal obstáculo. Por isso olhava para baixo e pensava. – Já andei imenso! Como ía encontrando muitos parceiros de alpinismo, achava que estava no trilho certo. Mas não! Todos estavam era na mesma situação. De olhos tapados para o cimo apoiavam-se mutuamente. E achavam que isto é que era.
Nesse tempo, o sol brilhava e a temperatura era amena. Nada fazia prevêr os cataclismos que estaríam para vir. Mas vieram, sem avisar! Bruscamente e brutalmente, Siul foi perdendo os seus alicerces, e partir daí a montanha soltou todas as suas forças. Subitamente o céu pôs-se negro e de imediato chuvas torrenciais deslizaram até si. Atordoado, conseguiu manter-se no mesmo sitio. Ou assim pensava ele, porque na realidade, tinha sido levado pela chuva até ao buraco mais fundo do monte. Por lá ficou sem compreender como é que tinham aparecido tantas feridas no seu corpo ou porque de vez em quando se sentia tão amaçado. Talvez porque estava tão cheio de tantos como ele, que se sentiu acompanhado nessa jornada e deixou-se enrolar por entre mulheres que lhe tratavam das feridas físicas, mas não lhe faziam companhia.
Assim esteve no escuro. E tão escuro era que cada vez menos vía. Mas outro acontecimento brutal lhe sucedeu. E esse atirou-o contra o chão. Não houve cordas que o agarrassem. Tombou! Muitos metros mais fundo. Bateu com a cabeça, o corpo, e a alma. E foi isso que o salvou!Começou a procurar na sua memória os tempos em que era aquecido pelo sol, e em que escalava acompanhado, e em que era feliz. Tirou toda a sua roupa, e partiu como veio ao mundo, sem pesos, rumo ao objectivo inicial da sua nascença – O Cume do Monte Adiv!
Foi mais um processo doloroso. Tinha ficado muito tempo adormecido, e seus membros entorpecidos. Teve que descobrir coragem. No reflexo de um lago, conseguiu vêr para além da sua imagem, e com o velho da caverna – o ogolocisp, conseguiu partilhar conversas e falar de si. Foi assim que se preparou! Não sem chorar as lágrimas da morte, rios de tristeza que lhe infectavam a alma e sugavam energia.Finalmente preparado dispos-se ao processo. Não tinha a certeza se conseguiria, mas tinha a fé de quem já esteve num buraco e que não quer para lá voltar. Assim foi. Arduamente, escalou rocha atrás de rocha, escarpa acima – que este caminho é mais dificil que o primeiro, foi atingindo niveis nunca antes alcançados e descobrindo novos amigos. Encontrou também uma mulher. Na verdade uma flor. Que o adormeceu com seu canto e se propôs aconchegá-lo. Deixou-se ficar porque achou ter atingido o cume. Estava enganado! Foram bons momentos de partilha, mas aquela era mais uma prova que tería que superar. A flôr estava murcha e precisava de Siul para rejuvenescer, sugando toda a seiva e energia que lhe restava. Não era boa companhia já que fazia o mesmo com muitos outros caminhantes. Mais uma vez cambaleou e caiu. Felizmente que desta vez a queda não foi tão grande. Já tinha sofrido antes e não queria voltar para aquele buraco. Mas ficou muito tempo quieto. Sem forças para começar de novo.
O Monte adiV tem destas coisas. Porque não é monte ruim para quem quer subir honestamente a sua trilha e para aqueles que sinceramente querem chegar ao cume. Apresentou-lhe Atir, também ela muito amachucada com a caminhada, e juntos foram andando lentamente nesse percurso sinuoso. Mas Atir foi ficando para trás, não aguentando a pedalada de Siul que, há medida que caminhava, tornava-se mais vigoroso e mais confiante. Tiveram uma conversa honesta e sincera e resolveram separar-se. Atir ainda não tinha forças para partilhar a caminhada com Siul que, de lágrimas no rosto, seguiu rumo a Onitsed cidade fantástica e mitológica que poucos caminhantes decidiam encontrar. Apesar de triste sentia-se menos machucado, tinha recebido colo, e com isso recarregou mais ainda as suas baterias.
Finalmente olhou para o alto. Sem cegar, conseguiu vêr o cume em todo o seu esplendor, e também as dificuldades do caminho que ainda tinha para percorrer. Mas uma vontade enorme de chegar à Vila Edadicilef fez aumentar a sua determinação. E assim seguiu durante algum tempo.Foi então que nessa trilha que agora tinha escolhido – porque isto de trilhas são opções! - foi encontrando lindos sorrisos côr de sol que o ajudavam a pintar alegremente o Monte Adiv.
Também sorrindo lá foi ele por aí acima, talvez um destes sorrisos acabe por partilhar também com ele este percurso!

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